A Associação dos Moradores do Povoado de Balbino nasceu da urgência e da coragem de um povo que viveu durante gerações à beira do Atlântico cearense, povo dedicado à pesca, às vazantes e às práticas tradicionais, e que, diante da escalada de disputas fundiárias e da violência econômica e física dos anos 1980, escolheu a organização coletiva como instrumento de defesa, afirmação identitária e conquista de direitos territoriais. A trajetória associativa de Balbino é, simultaneamente, a história de uma comunidade que se descobriu como sujeito político que logrou transformar a ação local em conquista pública: proteção ambiental, reconhecimento jurídico e projetos de desenvolvimento comunitário.
A Praia do Balbino, situada no litoral do município de Cascavel (a cerca de 40 km de Fortaleza), ocupa uma faixa costeira de cerca de 250 hectares que combina dunas, lagoas, manguezais, rios e mar, ecossistemas que sustentaram por décadas a reprodução material e simbólica da comunidade. Esse isolamento geográfico moldou um modo de vida altamente dependente de recursos naturais e simultaneamente a tornou vulnerável à pressão de interesses externos de caráter imobiliário e turístico. A área foi regulamentada como Área de Proteção Ambiental em 1988 (a primeira APA do Ceará), instrumento que depois se mostrou decisivo para a defesa do território.
A Associação foi fundada em contexto de tensão crescente. Reuniões realizadas sob cajueiros e fogueiras mostram gestos de organização comunitária que transformaram receios dispersos em ação concreta. A fundação formal aconteceu em Assembleia realizada no dia 21 de fevereiro de 1987, com representantes de cerca de quarenta famílias da comunidade, onde foi eleita presidente Francisca Ferreira Pires. A fundação da Associação marcou os moradores que, na organização coletiva, passaram a ser sujeitos institucionalmente reconhecido - o que veio a se revelar necessário para pleitear apoio técnico, jurídico e político em disputas fundiárias futuras.
A mobilização de Balbino foi desencadeada por um choque: a tentativa de apropriação territorial pela Construtora IWA, de Rui Caminha Barbosa Junior, que, nas memórias do povo e nos autos e reportagens da época, apareceu como agente de invasão e destruição em episódios que escalaram para denúncias públicas e processos judiciais. As invasões mecanizadas (com tratores e cercamentos) e a destruição de casas em 1986 e 1987 forjaram o sentido de emergência: a necessidade da Associação para coordenar resistência jurídica, mobilizar a opinião pública e proteger recursos naturais ameaçados. O confronto com a lógica privada de urbanização costeira transformou a Praia do Balbino num caso emblemático de luta entre comunidade tradicional e especulação imobiliária no litoral do Ceará.
Desde o primeiro momento a Associação combinou ações locais (vigilância, táticas de resistência não-violenta) com estratégias jurídicas e políticas: organização de comissões, contratação de advogados, e busca de parcerias com políticos, órgãos públicos e ONGs. Atuou de forma decisiva o advogado José Leônidas de Freitas no início e, posteriormente, o deputado e advogado João Alfredo Telles de Melo. Além disso, houve apoio de instituições como o Conselho Pastoral dos Pescadores, o Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza e o Instituto Terramar, como aliados que deram densidade política e visibilidade à luta. Graças a esse encadeamento tático-jurídico e à produção técnica (topografias, memoriais descritivos, etc), abriu-se caminho para que o Estado reconhecesse a condição de devoluta das terras da Praia do Balbino e avançasse na titulação em favor da comunidade.
As invasões de 1986 e 1987 dos especuladores imobiliários abriram processos policiais e sindicâncias que identificaram excessos, inclusive por parte de agentes da lei. O promotor Luiz Eduardo dos Santos levou adiante denúncias criminais acerca das queimadas de casas e de vazantes, da construção de uma cerca fechando a praia, do aterramento de parte do Mangue e aterramento completo da barra do Rio Mupeba, tudo isso através do uso de violência armada por policiais pagos por Rui Caminha. Os jornais O Povo, Diário do Nordeste e O Repórter cobriram os episódios, amplificando a indignação e pressionando por respostas de autoridades públicas. Essa combinação de investigação administrativa, visibilidade jornalística e denúncias institucionais permitiu que a Associação transformasse violência em evidência pública e fosse capaz de cobrar providências do Estado.
Depois da decisão do Governo de mudar sua legislação de terras, transformando o ITERCE em IDACE, - o que possibilitou ao órgão titular terras de comunidades tradicionais - bem como após o inventário antropológico, topografias e memoriais, que demonstraram a ocupação secular da Praia do Balbino por populações tradicionais e a condição das terras de devolutas, o governador Tasso Jereissati, em ato solene realizado em 30 de maio de 1997, entregou à Associação o título definitivo de posse da Comunidade Tradicional Pesqueira da Praia do Balbino (a primeira titulada no Ceará pelo Estado) em evento que teve também a presença do Arcebispo de Fortaleza, deputados estaduais, secretários de estado e prefeitos da região. Esse título representou, juridicamente, a conversão do empoderamento comunitário em propriedade coletiva reconhecida pelo Estado e foi o ponto culminante de mais de uma década de lutas.

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