A cultura da Praia do Balbino é uma trama viva de saberes, histórias e resistências que entrelaçam o mar, os rios, o mangue, as lagoas e as dunas com os modos de vida tradicionais de uma comunidade que faz da coletividade sua principal forma de existir. Localizada no litoral leste do Ceará, no município de Cascavel, a cerca de 40 quilômetros de Fortaleza, Balbino é uma comunidade tradicional pesqueira que se firmou sobre o encontro entre o trabalho, a fé, a arte e a natureza. Sua paisagem natural compõe uma das mais belas e ricas faixas costeiras do estado.
As famílias de Balbino descendem de gerações de pescadores e agricultores, cujas atividades foram sendo transmitidas por meio da oralidade e da prática. A pesca artesanal, com jangadas e pequenas embarcações, ainda é a principal fonte de sustento da comunidade. Peixes, lagostas, caranguejos e camarões são capturados de maneira tradicional e sustentável, garantindo o alimento e a renda de dezenas de famílias. Essa relação com o mar e com os ciclos naturais é o cerne da cultura da Praia do Balbino: a maré, o vento, as luas e as cheias da lagoa determinam os ritmos da vida, os períodos de festa e até as pausas do trabalho. A pesca, assim, não é apenas uma prática econômica, mas uma expressão simbólica e coletiva da relação entre o ser humano e a terra, um gesto de pertencimento e de continuidade cultural.
O território de Balbino não é apenas um espaço físico, mas uma extensão da memória e da espiritualidade local. É nesse território que se afirmam as narrativas fundadoras da comunidade, que remontam a indígenas e negros libertos que se fixaram na região e, ao longo do tempo, consolidaram um modo de vida próprio. As expressões culturais da comunidade traduzem essa ligação entre natureza e memória. A mais emblemática delas é a Dança do Coco da Praia do Balbino, registrada como prática local desde 1910. A Dança do Coco é uma manifestação de origem afro-indígena que combina canto, percussão, e improviso, e que na Praia do Balbino assume feições próprias, entrelaçando o ritmo da pesca com o compasso do corpo. Antigamente, os pescadores dançavam e embolavam o Coco no terreiro após as jornadas de trabalho, como forma de descanso e celebração. Hoje, a tradição se mantém viva em apresentações regionais e nacionais, como o Povos do Mar, o Festival da Sardinha e o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros (GO). Mais do que um espetáculo, o Coco é um ritual de afirmação coletiva — uma dança onde o corpo, o canto e a batida da caixa reafirmam o pertencimento e o orgulho de ser do Balbino.
Outro símbolo marcante da cultura local é a Renda de Bilro, ofício artesanal que atravessa gerações de mulheres e que se tornou expressão da delicadeza e da força feminina no território. As rendeiras, reunidas no Balbilros - Coletivo de Mulheres Rendeiras do Balbino, mantêm viva a tradição aprendida com as mais velhas, tecendo, com fios finos e paciência ancestral, as tramas que unem o passado ao presente. As peças são comercializadas mensalmente na Feira dos Empreendedores da Praia do Balbino e em feiras regionais apoiadas por instituições como Ceart e Sebrae. Esse trabalho, além de preservar um saber tradicional, promove autonomia econômica e protagonismo para as mulheres da comunidade, que também se fortalecem por meio de formações em cidadania, combate à violência doméstica e organização coletiva. Entre elas, destaca-se a mestra Francisca Ferreira Pires, reconhecida como Tesouro Vivo da Cultura do Ceará em 2009 por sua trajetória como rendeira e liderança comunitária. Mestra Francisca representa a síntese da cultura do Balbino: mulher do mar e da luta, guardiã da memória e protagonista da história.
A dimensão artística da comunidade se expressa ainda em espaços culturais que articulam tradição e contemporaneidade. O Centro Cultural Cajueiro da Ana, mantido há mais de quarenta anos pelo casal de artistas Ana e Aderson Medeiros, é um desses núcleos. Ali se realizam oficinas de artesanato com quenga de coco, culinária tradicional e vegana, e artes visuais, oferecendo formações e vivências para moradores e visitantes. Já o Centro Cultural Barracão do Mangue, criado pelo Mestre Cangaceiro da Capoeira (Ricardo Nascimento), é outro ponto de efervescência cultural. O espaço abriga eventos como o Confluências do Mangue, encontro de capoeira que reúnem mestres e capoeiristas do Ceará e de outros estados. Esses centros são exemplos de como Balbino articula tradição e inovação, mantendo-se fiel à sua essência, mas aberta a novos diálogos culturais.
As festas populares e os eventos comunitários também integram o calendário cultural de Balbino. A Feira de Empreendedores, as Regatas Ecológicas, a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes e a Festa da Terra movimentam a vida da comunidade, reforçando o sentimento de união e fortalecendo a economia local. Nessas ocasiões, a Dança do Coco, a música popular, o artesanato e a culinária tradicional, marcada pelo peixe fresco, a tapioca e os sabores do mangue, transformam-se em expressões de pertencimento e celebração. São momentos em que a arte e o cotidiano se fundem, reafirmando que, para o povo do Balbino, cultura é forma de viver, trabalhar e resistir.
Balbino é, portanto, um território de memória e resistência. Sua cultura não é um vestígio do passado, mas uma construção viva, continuamente reinventada pela coletividade. Entre as lagoas e as dunas, o que se preserva é mais do que uma tradição: é um modo de existir que resiste às pressões do turismo de massa, da especulação imobiliária e das mudanças ambientais, reafirmando a importância de viver em harmonia com o território. A cultura da Praia do Balbino é, assim, a expressão mais profunda da sua gente que tece e veleja, de anciãos que transmitem as histórias do mangue e das crianças que aprendem observando o vento. No Balbino, cada canto, cada artesanato, cada festa e cada gesto cotidiano são partes de um mesmo tecido, de uma comunidade que faz da cultura o seu modo de ser e permanecer.

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